A correlação
A tecnologia altera a forma como as pessoas se sentem, cria meios para que expressem suas emoções e fornece aos cientistas sociais novas ferramentas e dados sobre estes sentimentos. É por meio dela que o mundo se tornou mais unificado, encurtando as distâncias geográficas e aumentando, quase que simultaneamente, o distanciamento psicossocial.
Ainda assim, qual seria a correlação entre estes dois conceitos e como os adventos da tecnologia emergente são capazes de influenciar diretamente na rotina da sociedade e das empresas?
Este artigo apresenta uma abordagem aprofundada da tecnologia e das emoções, baseando-se não apenas na literatura e na teoria da sociologia, mas também em outros segmentos que são atravessados por esta institucionalização. Entenda:
A tecnologia e o contato humano
O uso das tecnologias pode estar intrinsecamente ligado aos processos afetivos, tanto com as emoções alterando os padrões de uso destes adventos quanto com esta utilização alterando o estado emocional de alguém.
Diante deste contexto, Richard Stivers, em seu livro Pathologies of a Technological Society, apontou que a cultura construída em torno das tecnologias modernas aumentou não apenas a intensidade das emoções, como também as patologias negativas dos indivíduos.
Em seu trabalho, o autor sugeriu que as pessoas experimentam ansiedade aumentada com a abundância de estímulos recebidos; estresse com a natureza sempre ativa das tecnologias de informação e também de comunicação; e medo com as informações recebidas da mídia sobre os eventos mundiais.
Além disso, como se não bastasse o fator psicopatológico relacionado a todo este modernismo, quando se pensa a respeito das emoções, é importante considerar o contato humano e como a tecnologia pode interferir diretamente neste fator.
Como se sabe, o universo digital deu abertura para uma cultura hibrida e universal. Isso fez com que as fronteiras fossem redefinidas e com que os sujeitos pudessem estar simultaneamente em diferentes países – tudo digitalmente.
O problema, todavia, é que esta virtualidade intensa tem dado brecha para uma nova redefinição de tempo e espaço, fazendo com que os minutos passem mais rápido, com que as pessoas tenham mais afazeres e com que 24 horas não sejam mais o suficiente.
E não apenas isso, como também gerou um sentimento de vazio, de solidão e, consequentemente, reproduziu uma espécie de substituição do presencial para o virtual. Agora, o contato físico se tornou escasso e pessoas que estão no mesmo ambiente conseguem sequer se comunicar de maneira verbal, apenas utilizando (por muitas vezes) os aplicativos de mensagens e as redes sociais.
O coronavírus e o distanciamento
Com a chegada do coronavírus e o obrigatório distanciamento social que foi implementado, as pessoas precisaram recorrer ainda mais aos adventos da internet para se sentirem próximas e conectadas com aqueles que amam.
No entanto, enquanto as tecnologias emergentes foram fundamentais para encurtarem as distâncias, elas também reforçaram consideravelmente a ideia já institucionalizada de que toda interação humana pode se dar apenas no espaço virtual e não presencialmente.
Este fator, contudo, tem levantado ainda mais as suspeitas de antropologistas e sociólogos que têm estudado a importância e a necessidade do contato, do olho no olho, do toque e, principalmente, de estar perto (de forma geográfica) daqueles que fazem parte do seu convívio.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa elaborada pela USP apontou que, quando os indivíduos abraçam uns aos outros, produzem um hormônio chamado ocitocina (também conhecido como hormônio do amor) que reduz o cortisol e traz uma sensação de bem-estar.
Por essa razão, estar há algum tempo sem este tipo de contato, especialmente durante a pandemia, pode acarretar na diminuição dos vínculos, no aumento do estresse, na potencialização da ansiedade e até mesmo no aparecimento do humor depressivo.
As tecnologias e a interpretação das emoções
Muitas empresas vinham utilizando pesquisas e a expertise de especialistas para entenderem como os indivíduos se sentem. Mas, agora, a tecnologia de Inteligência Artificial tem se tornado indispensável para capturar as reações emocionais em tempo real e, assim, decodificar as expressões faciais, analisar os padrões de voz e até mesmo monitorar os movimentos dos olhos.
O problema, no entanto, é que um estudo publicado pela University of Mariland descobriu que esta tecnologia atribui mais emoções negativas a pessoas de certas etnias do que a outras. Além disso, muitas vezes a IA também não é sofisticada o suficiente, a ponto de entender as diferenças culturais na expressão e leitura de emoções, tornando mais difícil de se obter resultados e conclusões precisos.
Por exemplo, um sorriso em particular pode significar algo em um país e ter uma relevância completamente diferente em outra nação. Logo, a confusão sobre estes significados pode levar as empresas a tomarem decisões erradas, a confundirem os sinais e disseminarem ainda mais o preconceito emocional (consciente ou inconsciente), perpetuando estereótipos.
Relação empresa x funcionário: os impactos
Qualquer que seja o trabalho desempenhado por uma determinada organização, a realidade é que a comunicação tende a se tornar menos direta e mais impessoal quando o trabalho é digitalizado. Isso se dá graças aos aplicativos e outras tecnologias que estão desempenhando muitas das funções que as pessoas costumavam fazer, otimizando a eficiência, redesenhando os fluxos de trabalho, mas perdendo em empatia.
Este, inclusive, não é um problema simples de ser solucionado. Afinal, não é possível voltar no tempo na transformação digital a fim de evitar que o avanço ocorra e também não se torna hábil abrir mão desta modernidade, arriscando o sucesso da empresa.
Para piorar, por causa da Covid-19, muitos funcionários passaram a trabalhar em condições extraordinariamente estressantes. Muitos deles estão isolados e, consequentemente, sendo forçados a lidar com as novas tecnologias rapidamente. Tudo isso enquanto estão preocupados com seus empregos, sua saúde e seus entes queridos.
Logo, a realidade é que as organizações não precisam que seus colaboradores trabalhem mais. Mas, sim, precisam que sejam valorizados, respeitados e ouvidos, tendo as relações humanas intimamente relacionadas a trocas de emoções e ao relacionamento empresa x funcionário.
Felizmente, ainda existem algumas maneiras de manter a importância da experiência humana em destaque, mesmo enquanto as corporações tentam manter suas operações. Para tal, o principal ponto é considerar o mindset de Hamilton Frausto e compreender que é preciso humanizar o robô e desrobotizar os humanos.
De fato, atualmente, as pessoas ficam entusiasmadas ao ver um robô falar ou expressar emoções e os cientistas comemoram quando as máquinas podem simular algo tão próximo do que pode ser considerada inteligência humana.
No entanto, é importante entender que o que nos torna humanos é a nossa consciência, ou seja, somos capazes de nos perceber como nós mesmos e de expor emoções diante de diferentes contextos e gatilhos.
Logo, se as máquinas se tornassem inteligentes o suficiente para pensar em si mesmas como o que quer que sejam no mundo, elas se qualificariam como “seres inteligentes”? Os seres humanos seriam apenas algumas versões hibridizadas de seres artificiais? O questionamento fica em aberto.