Reconversa?o industrial avanc?a, mas omissa?o do governo reduz fôlego

17/06/2020
Imagem: Banco de Imagens
Imagem: Banco de Imagens

Alternativa de aproveitamento da capacidade ociosa para fabricar produtos na?o disponi?veis nas suas linhas, mas com demanda em alta repentina por causa da pandemia, a reconversa?o industrial para produzir equipamentos e insumos da a?rea da sau?de avanc?a no mundo e ajuda a enfrentar a crise no setor manufatureiro. No Brasil, por causa da ause?ncia do governo federal no processo, ficou limita- da, no entanto, a esforc?os pontuais de empresas e entidades setoriais, relatam profissionais e instituic?o?es. O exemplo da WEG, de Santa Catarina, que na quinta-feira 4 anunciou entregas ao SUS de ventiladores pulmonares fabricados no Brasil com i?ndice de nacionalizac?a?o de 70%, e? refere?ncia de reconversa?o bem-sucedida, mas evidencia, ao mesmo tempo, as limitac?o?es dos esforc?os isolados nessa direc?a?o.

Os governos de Alemanha, Franc?a, EUA, Japa?o, China e Reino Unido mobilizaram empresas e participantes de seus sistemas de inovac?a?o para reconverterem linhas de produc?a?o e fabricarem respiradores, ventiladores e equipamentos de protec?a?o individual para seus agentes de sau?de e baixaram medidas para remover restric?o?es regulato?rias, favorecer a formac?a?o de conso?rcios volunta?rios, estimular soluc?o?es inovadoras e conceder apoio financeiro a?s iniciativas.

“A WEG e? um caso que sempre salta aos olhos e enfatizamos, pois e? uma grande empresa brasileira que tem compete?ncias tecnolo?gicas importantes”, sublinha Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. A empresa catarinense foi uma das seis brasileiras classificadas entre as 2,5 mil que mais investiram em pesquisa e inovac?a?o no mundo em 2018, segundo o I?ndice Global de Inovac?a?o da Comissa?o Europeia. O contexto geral para a indu?stria e a inovac?a?o ainda e?, entretanto, muito negativo, como mostra a u?ltima Pesquisa de Inovac?a?o do IBGE, ressalta Cagnin. A edic?a?o mais recente dessa pesquisa revela que o porcentual de empresas que inovam caiu de 36% para 33,6% do total, entre 2014 e 2017.

Para fabricar ventiladores pulmonares com alto i?ndice de nacionalizac?a?o, a WEG precisou verticalizar sua produc?a?o, isto e?, passou a fazer por conta pro?pria va?rios componentes que em fases de maior vitalidade do setor industrial brasileiro seriam adquiridos de fornecedores locais. Importar na?o seria uma opc?a?o, dada a escassez aguda dos itens necessa?rios no mercado mundial. Trata-se de um problema cro?nico, como mostra o relato?rio “A Cadeia de Valor de Ma?quinas e Equipamentos no Brasil”, de Cristina Fro?es de Borja Reis, da Universidade Federal do ABC. Por causa de va?rios problemas de competitividade e de lacunas no sistema de inovac?a?o e no tecido industrial, as empresas brasileiras, principalmente aquelas de bens de capital, sa?o  obrigadas a ter uma organizac?a?o muito verticalizada, destaca a economista.

A fragmentac?a?o das iniciativas de inovac?a?o da indu?stria no Pai?s e seu iso- lamento em relac?a?o ao resto do mundo, no que se refere a? integrac?a?o econo?mica, “privam as nossas empresas, ate? aquelas com caracteri?sticas mais evidentes de inovac?a?o, da participac?a?o em merca- dos, de relacionamento com clientes e fornecedores que tenham tambe?m esse componente tecnolo?gico e inovador e que ajudem a impulsiona?-las nessa direc?a?o”, afirma Cagnin. “E? importante lembrar que as inovac?o?es mais relevantes surgem da interac?a?o entre clientes e fornecedores em determinados segmentos das indu?strias, a exemplo das de bens de capital e de qui?mica fina, para solucionar problemas de fornecedores e de clientes. E? ai? que surge a inovac?a?o de verdade.”

Contida pelas limitac?o?es da estrutura industrial local em crise cro?nica, a reconversa?o dome?stica diante da pandemia na?o deslancha. “Conversa?o industrial concreta, da forma que estamos que- rendo, na?o aconteceu. Ha? esforc?os pontuais, que na?o va?o prosseguir quando as indu?strias retomarem a produc?a?o habitual. Poderiam, entretanto, dar continuidade a? produc?a?o de equipamentos e insumos para a a?rea da sau?de, pois a ociosidade e? muito grande. A falta de coordenac?a?o por parte do governo e? o grande entrave. Uma atuac?a?o governamental deveria incluir um mapeamento nacional, cre?dito e garantia de compras”, sublinha Wellington Damasceno, diretor de Poli?ticas Industriais do Sindicato dos Metalu?rgicos do ABC.

As empresas de bens de capital sa?o destaque entre as que realizam conversa?o industrial e passaram a fabricar, ale?m dos seus produtos ti?picos, respiradores pulmonares, ma?scaras, protetores faciais (face shields), leitos hospitalares, pec?as, partes, componentes e insumos para equipamentos, ale?m de prestar servic?os de usinagem, corte a laser de pec?as, impressa?o 3D, modelagem e simulac?o?es, documenta um levantamento da Associac?a?o Brasileira da Indu?stria de Ma?quinas e Equipamentos.

A Associac?a?o Brasileira da Indu?stria de Ma?quinas e Equipamentos (Abimaq) relata exemplos como o da fabricante de ma?quinas para embalagem Indata, de Palhoc?a, Santa Catarina, que passou a produzir tambe?m pec?as pla?sticas usinadas para circuitos de respiradores meca?nicos, a pedido de um hospital regional. A Lanmar, de Hortola?ndia, Sa?o Paulo, especializada em usinagem de precisa?o, tem fabricado conectores para pec?as utilizadas na produc?a?o de respiradores pulmonares pela Embraer. As empresas Flextronics, Bosch, Mercedes, Toyota, ABB, GM, SCM Automac?a?o e Omel organizaram-se para produzir subconjuntos e prestar servic?os de apoio a? KTK, a? Magnamed e a? Intermed na fabricac?a?o de respiradores. A experie?ncia da Festo Brasil, de Sa?o Paulo, especializada em soluc?o?es para automac?a?o industrial, revela quanto a reconversa?o pode ser vantajosa para o Pai?s. As va?lvulas para respira- dores pulmonares que a empresa paulistana comec?ou a produzir custam metade do prec?o do produto importado.

Entre as grandes empresas de outros setores destaca-se a Klabin, que, em parceria com o Instituto Senai, desenvolveu um espessante a? base de madeira em substituic?a?o a? mate?ria-prima derivada de petro?leo utilizada para transformar a?lcool li?quido em gel. “A reconversa?o na?o vai salvar a indu?stria nem no Brasil nem no mundo, mas e? importante porque ocupa capacidade ociosa e deixa claro que o setor tem condic?o?es de dar respostas a?s demandas da sociedade, que, no momento, precisa de respiradores e outros produtos para o setor da sau?de.

O processo poderia ser acelerado com um programa de financiamento do BNDES, compras governamentais ou licitac?o?es ou algum tipo de bonificac?a?o de imposto para as empresas que fizessem uma reconversa?o”, defende Cagnin. A opc?a?o e? relevante tambe?m por deixar evidente que a preservac?a?o e o fortaleci- mento das compete?ncias industriais dos pai?ses sa?o estrate?gicos. “O nosso parque industrial, apesar de ter inu?meros problemas, ainda e? o nono do mundo e possui compete?ncias tecnolo?gicas e produtivas importantes. E? flexi?vel e resiliente o suficiente para dar respostas.”

As expectativas quanto ao potencial dinamizador da reconversa?o aumentaram depois do tombo recorde da produc?a?o industrial em abril, de 18%, o pior da histo?ria do setor, segundo o IBGE. A reconversa?o esta? em sintonia com as tende?ncias em curso de desglobalizac?a?o, ruptura das cadeias mundiais de suprimento e sua internalizac?a?o nos pai?ses, reduc?a?o compulso?ria da depende?ncia de suprimentos externos e favorecimento da produc?a?o e das financ?as dome?sticas. O processo requer apoio ativo do Estado para funcionar, condic?a?o aceita nos pai?ses desenvolvidos e em emergentes bem-sucedidos, como a China, mas de concretizac?a?o improva?vel no caso do Brasil, ainda dominado por poli?ticas econo?micas anacro?nicas e radicais de austeridade e privatizac?a?o.

Fonte: Carta Capital, escrita por Carlos Drummond