No mundo pós-Covid, qual é o papel do executivo de tecnologia?

01/06/2020
Imagem: Banco de Imagens
Imagem: Banco de Imagens

Um termo que já está se tornando comum é o “novo normal”, o cenário que o mundo viverá no período pós-Covid. Não sabemos como será, mas muita coisa será diferente do que fazíamos antes. Um consenso é a aceleração da digitalização da sociedade.

A tecnologia digital ficará mais e mais entranhada na sociedade, como hoje a energia elétrica está no nosso dia a dia. Nem notamos sua existência, a não ser quando ela falta. Com tecnologias digitais será a mesma coisa. Estará tão entranhada no nosso dia a dia que se tornará invisível. Só a notaremos quando um sistema falhar.

Este cenário afeta diretamente o que nós chamamos hoje de tecnologia da informação (TI), que provavelmente será rebatizada com outro nome, que demonstre mais claramente sua integração aos negócios. Talvez BT, ou Business Technology? Não sei. Veremos qual será.

Neste contexto, como ficará a função que chamamos de CIO? Bem, antes de mais nada, o que é um CIO? O atual CIO começou como um gerente de implantação e operações de tecnologia em departamentos de finanças, quando foram adotados os primeiros computadores, entre 1960 e 1980.

É por isso que muitos ainda se reportam ao CFO. Lidavam com a área de Processamento de Dados, para gestão financeira, que depois renomeada para Tecnologia da Informação (TI). Só mais tarde, no início da década 1990, surgiu a noção moderna de CIO: profissional responsável pela implantação e gerenciamento de todos os sistemas de informação digitais, do processamento de texto à folha de pagamento, para gestão de processos nos mais diversos departamentos da empresa. Às vezes, absorviam a gestão de telecom.

A gestão de rede e de infraestrutura de informática, com certeza. E, mais tarde, também segurança e conformidade se tornaram parte das responsabilidades do CIO. Mas tudo isso se tornou um “business as usual”. Esta noção do que deve ser um CIO está ultrapassada hoje e gera as crises existenciais de seu papel frente ao novo cenário dos negócios digitais.

Para continuarem relevantes, eles têm de assumir uma postura proativa e serem mais contundentes e velozes na evangelização e liderança da transformação digital. O perfil profissional está em mutação e a característica essencialmente técnica, de saber mexer em cabos e fios, dar boot em servidores, não é mais importante. Ser um “maquineiro” não é mais o papel do CIO. Ele agora deve ser um líder de negócios, par a par com os demais executivos da companhia.

A perspectiva e missão da TI passam a ser outras. Não está mais restrito ao suporte operacional do negócio, mas passa a ser componente essencial deste negócio. Toda e qualquer empresa será empresa de tecnologia digital, mesmo que não venda produtos de tecnologia. Amazon é uma empresa de tecnologia, Airbnb é uma empresa de tecnologia.

O ecossistema de fornecedores muda. O velho e arraigado hábito de recorrer aos mesmos grandes fornecedores passa a dar lugar a olhar também para outros parceiros, como as startups, que tendem naturalmente a serem mais criativas e inovadoras que as grandes corporações. As tradicionais empresas de tecnologia estão também lutando para se transformarem e conseguirem sobreviver no novo cenário digital.

O CIO deve ser inovador. Tem que monitorar constantemente as tecnologias emergentes, não apenas como curiosidades tecnológicas, mas buscar identificar oportunidades de redefinir mercados e criar novos modelos de negócios. Não ficar em stand by aguardando o que a empresa vai desenhar como estratégia. Afinal, a tecnologia é parte integrante e indissociável de qualquer estratégia de negócios no mundo digital. Talvez seja a própria estratégia. O papel do CIO, portanto, não é desenhar uma estratégia digital, mas embutir digital na estratégia do negócio.

A jornada da transformação digital está mudando profundamente o contexto estratégico, alterando a estrutura da competição, a condução dos negócios e eliminando a fronteira entre os setores de indústria. Baixa as barreiras de entrada e permite novos entrantes aparecerem muito rapidamente, ameaçando a ordem natural das coisas.

A natureza plug and play (como blocos Lego) dos ativos digitais cria novas cadeias de valor que desagregam as cadeias estabelecidas, forjando novos competidores. Esta jornada vai exigir novas lideranças. O fato de um CIO estar ocupando a cadeira hoje não é garantia que a ocupará no futuro.

As regras ainda estão sendo definidas e estes são os riscos e oportunidades para os CIOs: omitir-se e correr o risco de desaparecer ou perder relevância, ou aproveitar a oportunidade de serem líderes digitais. Questão de escolha para seu futuro.

“Se andarmos por caminhos já traçados, chegaremos apenas aonde os outros chegaram.” Essa frase, atribuída a Alexander Bell, o inventor do telefone, tem muito a ver com o momento atual de transformação digital e o papel do CIO.

Diante deste cenário, é inevitável que a área de TI esteja caminhando em direção a um novo mundo, onde, com algumas exceções, não haverá mais data centers próprios, suporte a desktops, plataformas de e-mail e outras coisas que são costumeiramente mantidas hoje dentro das empresas.

O contexto das mudanças em TI não se limita a uma questão colocar sua infraestrutura em Cloud Computing, mas envolve muito mais que isso. O desenvolvimento de sistemas, tão protegido por processos e métodos que se consolidaram por mais de vinte anos de best practices também está sob pressão.

Levar meses para entregar um sistema torna-se anacrônico. O principal desafio é mudar a maneira de pensar, o paradigma ou modelo mental, que construímos para montar o que constitui a TI hoje. Se não aceitarmos que as regras que moldaram o atual modelo de TI está sofrendo mudanças drásticas, vamos perder o timing do processo.

Claro que é necessário para o CIO manter operando, sem falhas, o dia a dia. Mas esperar arrumar a casa para, então, começar a jornada da transformação digital, significa que vai chegar na estação depois que o trem saiu.

Apesar de lidar com tecnologia digital, o setor de TI é uma das funções mais resistentes às mudanças dentro das organizações. Uma possível explicação talvez seja que muitas funções em TI são dependentes do sucesso de determinadas tecnologias, para os quais os profissionais se tornaram experts.

Sair desta zona de conforto e entrar em um conjunto de novas tecnologias, novas práticas e novos modelos organizacionais causa, naturalmente, reações contrárias. Como são profissionais talentosos, suas argumentações são sólidas e geralmente suportadas por seus pares.

Exemplos? Porque ainda se ouve que a empresa não vai para cloud porque cloud é insegura? E são comentários que partem de CIOs que mantém seus data centers muito mais inseguros que os oferecidos por provedores de cloud de primeira linha. O pressuposto que um data center interno é inerentemente mais seguro é muito mais um imaginário coletivo que realidade. É uma reação natural às mudanças na ordem natural das coisas.

Aceitar e liderar as mudanças na TI das empresas é que vai fazer a diferença entre os CIOs. TI foi doutrinada a evitar riscos e manter a operação totalmente invisível aos usuários, reduzindo custos e atendo-se às práticas estabelecidas há muitos anos. Romper com este modelo mental não é simples. Ser inovador e experimentador não faz parte de sua cultura e modelo mental.

Os gestores de tecnologia precisam correr mais riscos, assumirem uma postura mais empreendedora e passar a oferecer uma TI voltada mais para fora do que para dentro. Existem barreiras, muitas delas culturais, como muitas empresas ainda verem a entrega de resultados operacionais como a principal responsabilidade de TI.

Este cenário, bastante comum, é sintoma que muitos executivos de negócio, como os CEOs, continuam vendo a TI mais como operação e não como a escolha natural para promover inovação em suas empresas. Em consequência os CIOs, apesar de afirmarem que inovação é sua prioridade estratégica, se veem pouco envolvidos com ela.

Venho comprovando, por vivências profissionais com vários CIOs, que realmente muitos deles sofrem com a percepção de suas empresas que TI é operacional, não sendo chamada para contribuir estrategicamente para a diferenciação do negócio.

Aliás, são poucos os casos onde TI define em conjunto a estratégia do negócio (ainda fazem seus PDTI – Plano Diretor de Tecnologia da Informação – a posteriori das definições estratégicas) e mais raros ainda os casos onde o CIO tem assento no board de executivos.

Daí o paradoxo: contradições entre a importância crescente da tecnologia para as empresas e a TI vista como operacional e não como alavancadora de inovações tecnológicas. A contradição fica nítida quando entendemos que o processo de transformação digital implica naturalmente que TI passa a ser o negócio, o que contradiz o cenário das empresas cujos CIOs são mantidos à distância, cuidando da operação, com uma clara distinção entre TI e o negócio.

    O processo de transformação digital é inexorável e as mudanças serão contínuas

Infelizmente, para elas, o processo de transformação digital é inexorável e as mudanças serão contínuas. Em um mundo hiperconectado, as velocidades de resposta às demandas do mercado e o uso da tecnologia como parte natural e integrante dos processos e produtos da empresa serão nada mais que obrigação, naturais e esperadas pelos clientes.

A mudança impõe uma nova abordagem para TI. Passando as atividades de menor valor agregado para parceiros de negócios, reduzindo seu envolvimento nas questões operacionais, liberando mais tempo para interagir com os executivos de negócio, simplificando sua operação e embutindo os novos conceitos tecnológicos como base natural e primordial de seus novos projetos, o CIO se transmuta em orquestrador de soluções, liderando e impulsionando a transformação digital.

Para isso não basta querer. Deve criar e disseminar a cultura de inovação na área de TI, até a incluindo na sua missão. Aliás, como sugestão, uma missão de uma hipotética nova TI: “Nossa missão é transformar a tecnologia para que esta seja a facilitadora de diferenciação de nossa marca”.

O papel dos CIOs deverá mudar significativamente nos próximos anos, assumindo a liderança da jornada de transformação digital. A convergência e evolução exponencial da tecnologia, a digitalização e o surgimento de novos modelos de negócio cria um novo e mais desafiador cenário onde as práticas e modelos de gestão e governança de TI já se mostram inadequados.

O novo CIO, um CIO estratégico, tem que estar claramente inserido nas discussões e estratégias do negócio. Claramente a tecnologia faz ou fará parte de cada processo, serviço ou produto fornecido pela sua companhia. O início desta transformação é ter claramente uma visão de futuro.

Onde sua empresa estará daqui a três anos? Com a evolução exponencial da tecnologia os próximos dois a três anos serão mudados tão radicalmente quanto a sociedade e as empresas mudaram nos últimos dez anos.

Proponho uma ação que considero fundamental para o CIO que quer se tornar estratégico: definir claramente sua missão na organização, colocando-se como ativo participante da estratégia, agregando valor para o negócio.

O que os CIOs precisam fazer para reverter esta situação? O primeiro passo é começar a pensar como executivo de negócios e não como nerd. Devem mostrar que são capazes de atender as crescentes demandas de se concentrar em novos negócios tanto quanto na excelência da operação diária.

Devem começar a influenciar a alta administração da importância de TI e de sua contribuição para o negócio no mundo digital. Precisam conquistar respeito e reputação para liderar as transformações digitais na empresa.

Um primeiro passo é mudar algumas atitudes como:

a) Não falar em “clientes internos” ao se referir aos seus colegas executivos. Não ficar na postura de prestador de serviços ao negócio. O grande cliente de TI é o cliente lá fora, que gera receita. Seus colegas executivos são parceiros nesta empreitada.

b) Evitar referir-se “ao negócio” quando falando do restante da empresa. TI não é entidade estranha ao negócio, mas é parte integrante ou é o próprio negócio.

c) Ter visão, missão e proposição de valor, e aqui como sugestão uma declaração de missão da TI de uma empresa americana, que na minha opinião pode servir como referência: “”Somos líderes inovadores de negócios para X e para nossas marcas, que antecipam tendências tecnológicas e adaptam oportunidades, enquanto entregam funções vitais sem falhas”. Prestem atenção a “líderes inovadores de negócios”, “antecipam tendências tecnológicas” e observem que “entregam funções vitais sem falhas” é a última frase. Para muitas áreas de TI, esta última frase é a sua principal e única missão.

d) Assumir que o papel do CIO deve mudar de “operar e manter a organização de TI” para “garantir que a empresa, como um todo, obtenha valor estratégico a partir do uso da tecnologia e informações”. Isso significa mudar a mentalidade cristalizada de ser guardião do templo, de tentar controlar tudo, para manter as coisas seguras e estáveis, para se tornarem mais ágeis, rápidos e correrem mais riscos. Propor coisas novas e não mais se intimidar com o novo. Uma pergunta típica do CIO guardião é: “mas, isso já foi feito em outra empresa?”. Sua reação natural é que se a resposta for não, ele não vai em frente. Mudar para ajudar a empresa a testar novas ideias é mudar este modelo mental.

A questão é que se um CIO vai ou não descobrir como evoluir neste novo contexto é o que irá ditar o quão relevante ele será. E um alerta: não espere que alguém lhe peça para ser estratégico! Seja e aja como CIO estratégico. Assim, fará realmente parte do nível executivo da organização e não apenas terá um cargo honorífico.

O CIO também deve fazer sua parte. As suas resoluções e ações devem direcioná-lo a se mover da zona de conforto da gerência técnica para um líder digital, com visão estratégica. Como?

a) se auto educar e educar a alta administração sobre os efeitos da transformação digital na sociedade, no seu setor de indústria e na sua empresa.

b) tornando-se capaz de atender às crescentes necessidades de se concentrar em questões de negócios externos tanto quanto na excelência da TI interna.

c) desenvolver ações que criem inovações no campo digital, gerando novas receitas com os ativos digitais da corporação.

d) buscar quebrar o paradigma que TI é operacional e se conectar com o CEO com propostas de geração de receitas e novos negócios, e não apenas com pedidos de mais despesas.

e) buscar manter uma rotina de reuniões semanais ou até diárias, com o CEO

f) não levar aos demais executivos propostas de projetos de TI, mas apenas projetos de negócio.

g) mudar seus hábitos de desenvolvimento de software para ser mais ágil e rápido.

h) não esperar que alguém lhe peça para ser estratégico, aja antes.

i) inserir TI na agenda estratégica do CEO e do conselho, e criar estreito relacionamento junto a todos stakeholders envolvidos (clientes, fornecedores, funcionários, outros executivos) para disseminar a ideia do novo papel da TI.

j) começar a mudar o mix de capacitações da TI e direcionar atividades operacionais para terceiros.

k) deixar de lado a mentalidade de “guardião”, de ser intrinsicamente defensivo e buscar criar inovações, mesmo às custas de maiores riscos.

l) reinventar a missão da TI.

O futuro está aí. O que pensávamos levaria anos para acontecer, aconteceu hoje. Amanhã será diferente. Daqui a seis meses mais diferente ainda. E em três talvez não reconheçamos mais muitas coisas que nos parecem familiares e sólidas hoje.

Como sobreviver em um mundo de mudanças cada vez mais rápidas? Este cenário é onde o CIO deverá atuar. Claramente, o CIO conservador e tradicional, avesso às mudanças terá problemas de sobrevivência. Mudar passou a ser a regra número um do jogo.

Fonte: NeoFeed, escrita por Cezar Taurion