A tese da equipe econômica ainda depende que o órgão regulador chegue à conclusão de que a Petrobras exerceu abuso de poder econômico
Uma das principais apostas da área econômica do governo para diminuir o preço dos combustíveis pode demorar muito mais que o imaginado, sem efeitos até a eleição, grande preocupação do entorno do presidente Jair Bolsonaro.
A “solução” via Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que atualmente está com duas investigações em aberto, uma sobre a conduta da Petrobras no mercado de refino e a outra de possíveis “condutas anticompetitivas” da empresa, depende de um processo que pode durar anos.
A aposta da equipe econômica ainda depende que o Cade chegue à conclusão de que a Petrobras exerceu abuso de poder econômico. Assim, a tese do governo é de que forçaria a empresa a mudar sua política de paridade de preços ao mercado internacional para considerar os custos de exportação de combustíveis, e não importação.
Segundo técnicos do governo a par das discussões, isso poderia fazer o combustível cair até 15%. Mas ambos os inquéritos ainda estão em fase inicial e tem um prazo de 180 dias para seu encerramento, contando do dia 12 de janeiro. Esse período inicial pode ser prorrogado inúmeras vezes por 60 dias.
O sócio da área de direito da concorrência da TozziniFreire, Guilherme Ribas, explica que o processo ainda está muito no início e investigações sobre possível abuso de poder econômico são muito complexas e costumam levar anos.
“Esse tipo de investigação pelo Cade demora uma média de seis anos. Em casos de conduta unilateral, abuso de poder econômico, o Cade pode em algum momento colocar uma medida preventiva, alguma determinação unilateral para as empresas a deixarem de adotar uma conduta ou não, mas nesse caso específico acho muito difícil, seria muito surpreendente”, disse.
Segundo o advogado, nesses dois processos o Cade está avaliando a estrutura de preços, mas não faz parte das atribuições do Conselho dizer se o preço está adequado ou não.
“Não cabe ao Cade regular preço, não é da competência, não está na lei. O preço é o mercado que dá, o que vai olhar é se está tendo alguma distorção, artificialidade no mercado, abuso de poder econômico, que possa estar algum impacto na concorrência e em última instância no consumidor”, explicou.
Sócia da área de antitruste e concorrencial do Souto Correa, Clarissa Yokomizo também ressalta que processos como os que estão no Cade costumam ser demorados, levando de cinco a sete anos.
“O processo envolve envio de ofício para concorrente, cliente, para quem for, e sempre tem um prazo relativamente longo para a resposta, para que a pessoa possa preparar um documento bem fundamentado, e isso vai levando tempo, além da própria investigação que leva tempo. É uma investigação muito séria e em geral muito bem-feita, é algo que certamente não é do dia para noite”, disse a advogada.
Sócio da mesma área no Souto Correa, Lucas Griebeler da Motta ressalta que há casos de cartel da Lava-Jato de 2014 em que as pessoas chegaram a confessar, que até hoje não têm definição. O especialista também diz que há outra saída mais rápida se a Petrobras fizer um acordo e decidir mudar a política de preços, por exemplo.
“Pode ser que, na semana que vem, a Petrobras decida fazer um acordo com Cade e resolva mudar a política de preços e pode ser que o caso leve dez anos no Cade e mais uma judicialização, e no final o STF anula tudo”, contou.
Yokomizo ainda entende que o Cade não teria competência legal para impactar na política de preços da estatal. “O Cade tem diversas competências determinadas por lei. Ele tem obrigação de defender a concorrência por diversos meios, mas a gente entende que esse tipo de intervenção não é um deles”, disse.
Segunda etapa
Após esse período do inquérito que pode levar anos, a Superintendência-Geral decidirá se arquiva ou se inicia um processo administrativo. No caso da segunda opção, a Petrobras terá direito a ampla defesa e a SG continuará sua análise e investigação, inclusive com depoimentos e oitivas.
Ao final, a SG produzirá um relatório opinando pelo arquivamento ou pelo entendimento de que houve infração à ordem econômica.
Esse relatório é enviado ao presidente do Cade, que distribui o processo por sorteio a algum conselheiro-relator e solicita manifestação do Ministério Público Federal e da Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade. Esse processo pode durar mais de dois meses.
Com essa fase concluída, o conselheiro-relator deve entregar os documentos para julgamento do plenário do Cade, que pode decidir por sanções, como multas.
Os inquéritos
O primeiro dos inquéritos utiliza como base um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que auditou a atuação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Cade, do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Petrobras para o desenvolvimento do mercado de refino.
Parte da análise do tribunal foi feita em cima do Termo de Compromisso de Cessação (TCC) assinado pela Petrobras e o Cade em 2019, na qual a empresa se comprometeu a vender oito refinarias, processo que ainda está em andamento.
A investigação do Cade tem como objetivo verificar se algumas empresas do setor enfrentam dificuldades de acessar a infraestrutura da Transpetro, como dutos, para transporte dos combustíveis.
Na avaliação do TCU em 2020, há situações de risco nesse processo de transição do mercado, com a venda de refinarias da Petrobras, como para os próprios preços de combustíveis e adaptação das empresas à nova realidade.
No entanto, o relator do processo, ministro Walton Alencar Rodrigues, entendeu que os gestores já estão cientes dos riscos e o envio da cópia do relatório para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), seria suficiente no momento, sem recomendações de medidas mais duras.
No processo, o escritório Levy & Salomão Advogados representou a Petrobras. A empresa argumentou que as preocupações avaliadas no relatório do TCU já foram endereçadas no TCC acordado com o Cade em 2019, que levou a alteração no formato de alguns desinvestimentos.
“O Relatório de Auditoria do TCU não contém qualquer elemento novo em relação às preocupações com eventuais práticas anticompetitivas, as quais foram devidamente ajustadas entre Cade e Petrobras por meio do TCC do Refino; aspecto que suscita apreensão de que a presente investigação constitua renovação das questões já investigadas e tratadas pela autoridade de defesa da concorrência naquele contexto”, disse no processo.
O segundo processo também foi iniciado em janeiro de 2022, mas para tratar de possíveis condutas anticompetitivas no mercado pela Petrobras.
Entre os documentos utilizados como base do início do processo, há um estudo do MME sobre diretrizes para promoção de livre concorrência no mercado, assim como outro estudo da ANP sobre a concorrência na indústria do gás natural e uma notícia sobre o aumento do preço da gasolina feito pela Petrobras em janeiro.
A defesa da Petrobras argumenta novamente que o processo investigaria as mesmas questões cobertas por um TCC de 2019, quando a empresa assumiu compromissos comportamentais no mercado de gás natural e de vendas de ativos. Além disso, justificou que não cabe ao Cade regular os preços de mercado, mas sim a concorrência.
Gabriel Shinohara
Fonte: Novacana